Ele sempre andava pela sua caótica cidade. Observava muito bem a grandeza das construções argênteas a perder de vista. Parecia um bobo. Mas disso, não tinha nada. Nasceu e cresceu na selva de pedra. Seu pai, trabalhador árduo da Rua 15. Sua mãe vivia nas nuvens e não saía dos belos campos do Ibirapuera e das gordas cifras da Daslu. Eram uma família como as outras daquela cidade: acordavam atrasados, o pai saía, ele tomava café, era levado à escola e a mãe ordenava o cardápio do dia à nova Marinete, que tinha acabado de chegar ao belo apartamento numa zona legal da cidade. Viviam assim, todos os dias, até os domingos. Só que não tinha escola.
Com o avanço das máquinas, ele não queria fazer outra coisa: passava horas e horas imerso naquele mundo em que nada era de verdade. Suas noites eram sempre alienadas com outros sujeitos que também se submetiam àquilo. Descobertas as salas de prosa, não parou de fazer novas amizades. Eram de todos os tipos, lugares e jeitos. Acumulava mais de centenas e não cessava a sua intensa busca pelas novas.
Sua primeira mais chegada era uma da terra do rodeio. Sempre lhe era estanho prosear com o interiorano, pois era bucólico e pastoreio. Durou muito, uns cinco anos, até que foi forçado a conhecer o tal lugar. Nunca se esquece daquele dia em que vira a brutalidade cometida contra as pobres criaturas de Deus que habitam este mundo conosco. Por isso, sua aventura durou só um poente e um nascer do sol.
Voltou à sua querida metrópole e novamente sentiu o doce ar da destruição. Passada aquela aventura, não queria saber de mais nada: só ficar no seu cantinho com seus camaradas virtuais. Gostava de participar de uma terapia que acontecia de vez em quando. Achava um barato.
Num dia de terapia, conheceu um sujeito estranho, mas que lhe despertou a atenção. Morava bem distante dali, onde o planalto impede a doce passagem da brisa marítima. O cabra cantava engraçado, tinha uma estatura avantajada, e uma voz repugnante. Ninguém o agüentava. Mesmo assim, resolveu conhecê-lo numa viagem que sua família fez para tentar deixar descansar a condução. Riram muito do pseudo-artista. E ele também. Só mesmo a quentura para fazê-los parar de zombar do pobre coitado.
O trânsito estava péssimo, uns cem parado. Estava com a família no carro e com seu portátil equipamento e fazendo mais um chapa. Esse era interessante, viajado, simpático. Veio visitá-lo. Encontraram-se no aeroporto, passearam pelos jardins, pelos fazedores de milionários, comeram qualquer coisa. Tudo por conta do visitante. Para terminar, uma bela italiana seria perfeita. Seria, pois o cara se perdeu e nunca mais deu as caras.
Com o tempo, diminuía o seu tempo no mundo das aparências. Os ritmos toantes e vibrantes agora o contagiavam mais. Mesmo assim, a busca continuava.
- Anda, moleque, você está atrasado!
- Eu sei mãe, mas estou num lance legal. Acho que conheci a pessoa da minha vida.
- Isso não existe. Você vai conhecer alguém na faculdade, vai gostar e vai se casar. É sempre assim.
- Acho que não.
- Quer apostar quanto? Minha dura vida me condena.
- Chega. Estou gripado. Não vou hoje.
- Vai sim.
- Não vou e pronto.
- Então ta.
Terminado o bate-bola com sua mãe, ele voltou para a máquina e ficou horas e horas. Acho que encontrou seu amor. Na flor da idade, ele nunca tinha namorado alguém. Aquela seria a sua primeira experiência carnal. Achava um máximo.
O pretendente era de perto, mesma idade, mesma cabeça. Até já tinham se encontrado no clube. Tinham também trocado olhares. Quando puseram pingos nos jotas, nenhum dos dois acreditou.
Conversaram, trocaram cartas, presentes, vodkas. Freqüentaram bares, boates, teatros, cinemas e motéis. Pobre Baco que tanto trabalho teve para deixar os encontros super interessantes para os dois! E o gigante Adamastor? Como trabalhava! Nunca vi um casal como aquele. O desejo era uma corrente que desatava muito bem. Nenhum tempo era suficiente.
E assim levaram por muitos anos. Escola de manhã, cursos à tarde e encontros á noite. Tudo corria muito bem, até que nosso colega foi aprovado numa universidade interiorana. Ficaram loucos, sem saber o que fazer. Chegado o dia da inscrição, ele a fez, aos prantos.
O grande dia chegou. Separaram-se. Os pais dele nem acreditavam que teriam mais tempo. A nova moradia era legal, perto da brisa e também das noites nada agitadas. Era um embalo que só vendo!
Enquanto um feliz lá, o outro amargurado cá no meio do caus. Falavam-se todos os dias, mas nada era igual àqueles dias que a memória nunca levou. A perfeição tomava conta do seu intelecto, pra sempre. Procurou se divertir, mas era difícil com o outro longe. Vodkas não eram suficientes para as dores. Chorava, mas ninguém entendia o porquê. A situação estava cada vez mais densa. A náusea lhe era freqüente.
Certo dia, o nosso colega chegou da universidade e o telefone logo tocou. Era uma notícia péssima. Seu amor fora ao hospital. A corrente desatou como o árduo inverno no norte. Ele, sem saber o que poderia fazer, correu para sua vila argêntea. Mas era tarde. Ele nunca mais tocaria no seu amor, já que Inês já era morta.
1 comentários:
Este trecho combina muito com o meu momento: "nada era igual àqueles dias que a memória nunca levou". Adorei seu texto amigo, ele possibilita uma pluralidade de pensamentos de diversas naturezas. Muito bem escrito.
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